sexta-feira, abril 27, 2007

A "Sorte" da Sogra de um Vizinho "Novo Comunista"...


Uma das coisas que me fez mais confusão nos meses seguintes à Revolução foi o "milagre da multiplicação de comunistas", que se deu um pouco por todo o lado, quase todos à procura de uma oportunidade, para poderem chegar a algum lado...
Infelizmente, o que sobrou em esperteza, a estes novos "donos" da foice e martelo, faltou em idealismo e solidariedade.
Muitos dos verdadeiros comunistas foram passados para trás, alguns com dezenas de anos de luta clandestina, pagos com a passagem pelos cárceres da PIDE. Estes "salta-pocinhas", com o seu sentido apurado de oportunidade, conseguiram abanar a credibilidade do Partido.
Muitos saltaram da "carruagem" comunista, logo que se deu o 25 de Novembro, outros foram ficando, até perceberem que as únicas "escadarias" que os levavam ao poder, tinham o emblema do PSD e no PS.
O "camarada" que mais me espantou nestes clubes de "Novos Comunistas", foi um sujeito que morava na minha rua, que uma vez ouvi alegar, que uma das razões para a qual tinha entrado para o Partido, fora a esperança de se ver livre da sogra. Não sei como e quem o tinha "catequizado", mas ele estava mesmo esperançado que dessem uma injecção atrás da orelha à sogra...
Esta história pode parecer brincadeira, mas é verídica.
E não foi caso único. Os ignorantes sempre foram assim, muito atrevidos...
Nos nossos dias, se há coisa que me irrita no "mundo da política", é a tese dos fulanos, que se foram encostando à direita, e têm a lata de dizer, em sua defesa, que só os burros é que não mudam...

quarta-feira, abril 25, 2007

A Minha Pequena Revolução


Apesar de ter apenas onze anos, recordo-me bem do dia 25 de Abril de 1974, «inicial inteiro e limpo, onde emergimos da noite e do silêncio», como tão bem retratou, a nossa Sophia de Melo Breyner Andresen.
Como vivia nas Caldas da Rainha, uma cidade de província notoriamente conservadora, não se sentiram grandes ecos revolucionários, pelo menos até ao fim da tarde.
Penso mesmo que a cidade viveu este dia de uma forma apreensiva, até porque um mês e alguns dias antes, os militares do RI 5 tinham saído do Quartel em direcção a Lisboa, para participar numa outra Revolução, que tinha entretanto sido adiada.
Felizmente, quarenta dias depois, a Revolução saiu mesmo à rua.
Militares vindos de várias regiões do país invadiram a Capital e ocuparam os lugares estratégicos da cidade. As dúvidas iniciais dos “Capitães de Abril” transformaram-se em certezas, graças ao apoio popular de milhares de pessoas, que surgiram de todos os lados, de uma forma completamente expontânea, para dar vivas à Revolução e à Liberdade.
Enquanto a multidão invadia a baixa e deixava o Largo do Chiado em estado de sitio, eu brincava no quintal da minha casa, satisfeito pelo “feriado” escolar inesperado. Assistia serenamente à troca de informações entre a mãe e uma vizinha, que não tiravam os ouvidos do rádio, que dava conta dos últimos desenvolvimentos (nessa altura já tínhamos televisão, mas as emissões deviam ter sido interrompidas, pois só me recordo da transmissão das notícias radiofónicas...) da Revolução.
O ponto alto desse dia acabou por ser a rendição de Marcelo Caetano e de todo o governo. Era o sinal mais da vitória dos Militares de Abril.
A minha mãe ficou bastante dividida nesse final de tarde, porque era uma das muitas espectadoras atentas às “Conversas em Família” do Marcelo Caetano, por quem tinha uma grande admiração, considerando-o um bom governante e um homem sério.
O meu pai, de espírito mais libertário, ficou bastante satisfeito com este desfecho. Acreditou firmemente na possibilidade de Portugal se tornar um país mais justo, tal como milhões de portugueses...
Uma das coisas que mais o chocava eram os constantes abusos de autoridade, praticados por quem detinha qualquer poder. Qualquer soldadeco da GNR ou agente de terceira da PSP, procedia como se fosse dono deste, ou de qualquer outro mundo. O pai tratava-os por “pançudos” e realmente, nessa época, eles eram todos bem anafados...
Como devem calcular, mais chocado ficava, quando sabia que alguém tinha sido preso ou interrogado, pelo simples facto de defender um Portugal mais livre e democrático, pela odiosa DGS.
Acabo como comecei, com as palavras de Sophia. Tenho algumas dúvidas que «esta é a madrugada que eu esperava», porque trinta e três anos não foram suficientes para nos termos tornado um país mais justo e igualitário. Claro que «livres habitamos a substância do tempo»... e a Liberdade continua a ser a herança mais preciosa da Revolução de Abril.
A foto que ilustra o texto é de Alfredo Cunha.


segunda-feira, abril 23, 2007

Um Livro à Minha Escolha


Tinha pensado escrever sobre "Por Quem os Sinos Dobram", uma obra inesquecível de Ernest Hemingway, que nos descreve de uma forma única a Guerra Civil de Espanha. Como não encontrei na minha biblioteca a primeira edição, para digitalizar a sua capa, acabei por mudar de ideias e falar sobre o meu livro de estreia, "Bilhete Para a Violência", cuja acção se desenrola no Oeste, apesar de ter como pontos de partida e de chegada, Cacilhas.
É um romance que aborda os mundos do jornalismo e do futebol, focando algumas das suas contradições. O tema central continua bastante actual, a arbitragem do futebol, ou seja a morte de um árbitro, que irá ser investigada por um jornalista desempregado (não se assustem, é apenas ficção)...
O espaço físico centra-se no Oeste, ou seja, nas Caldas da Rainha, em Salir de Matos (Selir...), na Foz do Arelho e em Alcobaça e Óbidos.

terça-feira, abril 17, 2007

O Regresso ao Meu Bairro


Quando somos pequenos as coisas são todas enormes...

Provavelmente, foi por isso que senti as ruas, as casas, mais estreitas e pequenas, quando regressei ao Bairro onde cresci e vivi até ao fim da infância.

Senti tudo tão diferente...

Os baldios das ruas detrás, onde jogávamos à bola, estavam agora ocupados por prédios, com os espaços vazios preenchidos por veiculos de quatro rodas, cada vez mais donos e senhores de todas as artérias urbanas. Estava tudo tão desumanizado. Não se viam pessoas nas ruas, tinham sido substituidas pelos carros que ocupavam os passeios.

Este vazio levou-me a reconstruir, passo a passo, as coisas e as pessoas que tinham desaparecido, desde o sapateiro, o Lugar onde se vendiam legumes e frutas, até às tabernas que já começavam a ficar a meio caminho entre a tasca e o café, com duas divisões, uma com a oferta do visionamento da televisão.
Lembrei-me dos amigos de infância, das suas casas... apeteceu-me espreitar as escadas interiores do prédio onde vivi, espaço de milhentas correrias e trambulhões, com as quais, eu e o meu irmão, punhamos a vizinhança em reboliço...

Procurei em vão, nos rostos com quem me cruzei na rua, gente conhecida. Não descobri traços familiares, foi como se tivesse chegado a outro bairro. Claro que isto acabava por ser compreensível, tinham-se passado mais de trinta anos...

Antes de tirar uma fotografia ao rés de chão onde vivi, e que ainda resistia ao tempo, perguntei aos meus botões: «estamos a transformar-nos em quê?»

terça-feira, abril 10, 2007

Um Outro País


Fugi da civilização por apenas quatro dias, tempo mais que suficiente para sentir que o bom da vida não está nas grandes metrópoles, para onde todos caminhamos, atrás de sonhos que raramente se cumprem...
Apesar do abandono, da solidão e da tristeza a que foram votadas as aldeias do nosso interior e os seus habitantes, quase sempre idosos, a grande maioria mulheres de negro, cuja viuvez é uma matriz cada vez mais forte nesta parte esquecida de Portugal, é sempre possível encontrar um lado positivo nestas coisas.
Como sou sempre o primeiro a levantar-me, depois de tomar um pequeno almoço ligeiro, dou sempre uma volta pelos arredores da aldeia. Sabe-me bem andar no meio dos campos em pousio, especialmente agora, que está tudo florido e bem cheiroso.
Gosto de escutar o que se esconde por detrás do tão falado silêncio campestre, de descobrir a diversidade do canto dos pássaros, assim como as suas tonalidades e até a forma como dão às asas.
Depois de andar uns bons metros, gosto de parar e girar lentamente, olhando para todos os lados, a ver o tempo passar por mim. Tão lentamente, que me dá espaço para quase tudo...
Até consigo reparar que o vento transforma o simples toque nas ramagens das árvores em coros afinados, que podem ser confundidos com orquestras naturais, que dispensam qualquer maestro, por melhor que seja...
Depois regresso a casa. Abro a porta com cuidado, porque eles ainda estão a dormir o sono dos justos...

O óleo que acompanha este texto chama-se "Só na Aldeia" e é da autoria de José Malhoa.