sábado, setembro 30, 2006

Nomes de Guerra



Um das aspectos mais curiosos no futebol é a forma como alguns “nomes de guerra” ficam para a história, sendo usados de formas diferentes, e tantas vezes, sem explicação aparente.
Por exemplo, um dos casos que nunca percebi, foi porque razão deram a alcunha de “Garrincha” a um jogador do Caldas, dos anos setenta, sem grande talento futebolístico e sem qualquer parecença física com o grande fantasista brasileiro. Ao contrário do verdadeiro Garrincha, que adorava andar com a redondinha rente à relva, colada aos pés e sentar os adversários que lhe apareciam pela frente, este era um jogador defensivo e adepto do chuto para o ar.
Um dos jogadores mais “famosos” do meu bairro, além de ser meu homónimo, também era conhecido na gíria futebolística como “Pélé”. Este “nome de guerra” assentava-lhe bem, porque, apesar de ter a pele clara, era o melhor jogador do Bairro dos Arneiros. Fez parte de uma grande equipa de juvenis do Caldas, onde também pontificava o Vital, um grande avançado centro, que foi pescado para as camadas jovens do Benfica e marcou centenas de golos ao longo da sua carreira. Carreira essa que teve como ponto alto os títulos de Campeão Nacional conquistados no Futebol Clube do Porto do Senhor José Maria Pedroto e a chamada à selecção A.
Curiosamente, uma das únicas alcunhas que tive no futebol, foi colocada pelo “Pélé”, o tal craque do meu bairro, num dos primeiros jogos que fiz num pelado a sério (O campo de futebol de onze do F.C. das Caldas). Devia ter uns doze anos e fui convidado para jogar, misturado com rapazotes entre os quinze e os dezassete anos. Em vez de me assustar com a sua envergadura física, jogava de igual para igual com eles, embrulhando-me nas suas canelas e conseguindo tirar-lhes a bola... deixando-os furibundos. O “Pélé”, além de me proteger dos “maus fígados” dos adversários, apelidou-me de “Esgravulha Batata”. Claro que foi uma alcunha de um só dia...
Mas os “nomes de guerra” valem o que valem... não me esqueço de um vizinho baixinho e quase quadrado, que continua a ser conhecido nas redondezas por “Maradona”... e este cognome, deve-se apenas às parecenças físicas (altura e peso...) e não ao talento futebolístico...

terça-feira, setembro 26, 2006

A Linha do Oeste



O comboio é o melhor transporte do mundo.
Sei que esta frase pode parecer excessiva, mas não é, pelo menos para mim.
Há pelo menos três razões, que me fazem escolher os caminhos de ferro como o meio de transporte ideal: é o único meio de transporte que permite andar de um lado para o outro, livremente, desde a primeira até à última carruagem; é o único lugar que oferece uma visão da paisagem em ângulos mais próximos, mais variados e contemplativos (como devem calcular não estou a pensar nos TGV...); e fundamentalmente, porque são o melhor transporte para ler um livro, uma revista ou um jornal, pela sua estabilidade.
Durante quase duas décadas anos viajei regularmente na Linha do Oeste. Só deixei de o fazer no final da década de noventa, por entender que os horários eram cada vez mais absurdos (fiquei sempre com a sensação que a CP me estava a lançar um convite para utilizar outro transporte qualquer...), e também porque o nascimento dos meus filhos "obrigou-me" a render à comodidade do automóvel...

Outra coisa boa das viagens de comboio era contacto com as pessoas. Havia sempre a possibilidade de encontrarmos alguém conhecido e colocarmos a conversa em dia, partilhando as mudanças normais das nossas vidas, encurtando a viagem...

Tenho acompanhado com algum distanciamento a quase "morte anunciada" da Linha do Oeste, pela ausência de investimentos do Estado e também pelo desinteresse dos autarcas da Região, mais motivados com os negócios do alcatrão e do cimento, que na transformação da linha num espaço mais funcional e acessível para os utentes habituais, e sobretudo mais atractivo para os visitantes.
Sei que promessas e projectos não têm faltado ao longo dos anos, o difícil é sairem do papel...
A fotografia que ilustra este texto mostra a estação das Caldas da Rainha na actualidade, onde, felizmente, ainda imperam os bonitos azulejos azuis que retratam, muito bem, os lugares mais atractivos do Concelho.

quinta-feira, setembro 21, 2006

A Importância das Palavras



Esta fotografia de José Águas a erguer a Taça dos Campeões Europeus tem um significado especial para mim. Vou mesmo mais longe, embora não esteja completamente certo disso, penso que é ela a grande responsável por ser benfiquista.
Sem saber explicar muito bem o porquê, sei que na minha meninice, ficava parado, deslumbrado, a olhar para esta imagem vitoriosa, pendurada na sala da casa de um dos meus vizinhos.
Claro que não estou aqui para falar do meu “benfiquismo”, que nunca foi muito doentio, nem mesmo na adolescência. Estou aqui sim, para salientar a importância das palavras que trocamos com os outros, mesmo sabendo que se vive num tempo, quase sem espaço para conversas, para lá do bom dia e boa tarde. A convivência nos lugares onde vivemos é o melhor exemplo do que acabo de dizer.
O que é facto, é que conversar continua a ser uma prática deliciosa. E quando o interlocutor é uma pessoa por quem sentimos empatia, somos capazes de estar horas e horas à conversa, sem dar qualquer espaço ao silêncio. Foi exactamente isso, que aconteceu na tarde de ontem, na esplanada de um pequeno café de Cacilhas.
O meu encontro com António Cagica Rapaz - um nome que é facilmente identificável por todos aqueles que acompanhavam o futebol na década de sessenta e princípio de setenta, pois pisou os nossos principais relvados com as camisolas da Académica, CUF e Belenenses. -, foi pretexto para uma conversa extremamente rica, sobre pessoas, lugares, livros, jornais, futebol, política, etc. Mas o melhor da conversa, foi falarmos de algumas pessoas que nos diziam muito, pelas mais variadas razões.
Um pequeno exemplo da nossa conversa, foi o “encontro” com dois extraordinários futebolistas, que se existir futebol no paraíso, continuam a marcar grandes golos. Estou a falar de Matateu e José Águas. Cagica complementou a ideia que eu tinha destes magos da bola, exímios na arte de meter golos, que por não serem do meu tempo, não me deram a felicidade de os puder ver jogar, ao vivo.
Matateu era um espectáculo dentro e fora dos relvados. A facilidade com que marcava golos e a sua alegria natural, faziam que tudo á sua volta se transformasse numa festa. Amava a boa vida e gostava de estar sempre com uma “fresquinha” nas mãos. Não tenho dúvidas que a sua vida poderia dar um grande filme, embora não existam actores com capacidade para fazerem de “Matateu”, dentro dos relvados...
José Águas foi um dos melhores jogadores portugueses a movimentar-se dentro de área e um dos avançados mais elegantes do nosso futebol. Ainda tive a felicidade de o conhecer, na minha actividade jornalística, e fiquei com a melhor das impressões.
Obrigado Cagica, pelas palavras, pelos livros e pela amizade...

sábado, setembro 16, 2006

As Vindimas



As vindimas foram a única actividade campestre que me manteve ligado à agricultura desde sempre.
Ainda hoje sinto que existe algo de mágico em toda este percurso artesanal, desde a apanha das uvas até à produção do vinho no lagar.
Nos primeiros anos a minha participação na “festa do vinho” não passava de uma brincadeira deliciosa, partilhada com o meu irmão e (pisar as uvas no lagar era, e é, uma brincadeira para qualquer criança...) permitida pelo avô, enquanto ainda se estavam a recolher as uvas...
As vinhas que pertenciam ao avô eram o Arneiro e o Vale da Moira. Nós só as percorríamos na época das vindimas, porque ficavam afastadas de casa dos avós, no meio de pinhais, por caminhos tortuosos.
Recordo que as viagens entre as vinhas e o lagar da família, com a queda das primeiras chuvas, tornavam-se numa grande aventura, principalmente para nós, crianças. O percurso pouco cuidado quase que colocava em risco as tinas carregadas de uvas e a integridade fisica das vacas, que ficavam com as patas completamente escondidas no meio do lamaçal, sem nunca desistirem de puxar o carro de bois, perante a ameaça do avô, que as picava com uma vara igual às que usavam os campinos nas lezírias.
O pai e os tios acompanhavam sempre o percurso mais acidentado, preparados para aliviar a carga e ajudar no que fosse necessário.
Depois de termos crescido um palmo, não falhávamos a apanha das uvas (primeiro com o balde depois com o caneco) e a produção do vinho (quer a pisar as uvas quer a fazer o “aperto”, no célebre “trec-larec” da máquina artesanal do lagar).
Lembro-me da cumplicidade, presente nos sorrisos do pai, dos tios e de nós dois, quando descobríamos a cara de satisfação do avô, depois de fazer a medição da graduação, por o vinho ter “alma forte", ou seja, mais de doze graus...

quarta-feira, setembro 13, 2006

As Ruas da Liberdade



Na minha infância as ruas eram um lugar sagrado para todas as crianças, porque era nestes espaços abertos, que nos encontrávamos, diariamente, para brincar.
As coisas eram muito mais simples... os carros eram uma raridade e a insegurança nas ruas nem sequer era tema de conversa nas casas, nos cafés e nas ruas. Isto acontecia porque nos bairros todos se conheciam e nada passava em claro à vizinhança.
Como os relógios andavam mais "devagar", as pessoas tinham mais tempo para conversar umas com as outras e para estarem à janela, a olhar para tudo aquilo que as rodeava.
Podiamos brincar a jogos simples como à apanhada, às escondidas ou a outros mais técnicos como o berlinde, as corridas com caricas ou ao futebol, o jogo mais popular entre a rapaziada. Sim, porque neste tempo o futebol não era coisa de mulheres...
Nestes jogos improvisados, qualquer coisa servia de baliza. Não existiam árbitros nem cronómetros, as partidas mudavam aos cinco e acabavam aos dez... e se houvesse tempo para mais, prolongavam-se, até chegarmos a resultados mais próximos de um jogo de andebol que de futebol...
Quase todos escolhiamos nomes de guerra. Não havia jogo que não tivesse um Eusébio, um Damas, um Simões, um Humberto, um Nené, um Artur, um Peres ou um Pavão (havia um miúdo do Norte, que era sempre o Pavão...). Eram estas as nossas "escolas" de futebol.
Depois de termos crescido um palmo e já nos acharmos suficientemente bons, formávamos equipas das nossas ruas e desafiávamos os "putos" da vizinhança para desafios empolgantes, quase num campeonato de bairro.
Recordo que a minha equipa, da Rua do Meio, era a mais macia e também a melhor tecnicamente. Era por isso que levávamos muita "porradinha", dentro e fora do campo. Por vezes éramos mesmo "corridos à pedrada", por adversários com mau perder.
Estes jogos já se jogavam em campos improvisados nos muitos espaços baldios (muitas vezes com balizas de madeira, quase a sério...) em redor dos bairros, ocupados posteriormente, de uma forma quase selvagem, pela construção desenfreada de um progresso, que roubou as ruas às crianças...
Hoje os nossos filhos crescem sem conhecer as "Ruas da Liberdade". Talvez esta seja uma das facturas mais "caras" e perniciosas do tal progresso...
(foto Eduardo Gageiro, in "Estas Crianças Aqui")

domingo, setembro 10, 2006

As Berlengas



O Arquipélago das Berlengas já é Reserva Natural Marinha há 25 anos...
Este conjunto de pequenas ilhas rochosas (Berlenga, Estelas e Farilhões) situado ao largo de Peniche, continua a despertar a curiosidade de muitos turistas. A Berlenga, por ser a única ilha cuja área permite que exista alguma ocupação humana, é naturalmente o centro de atenções.
A primeira vez que visitei a Berlenga (um ou dois anos antes de se criar a reserva...), ainda era possível passear no seu interior sem qualquer tipo de restrição. Embora tivesse sido uma visita de médico, ou seja, de um só dia, deu para saborear com entusiasmo as suas águas cristalinas e profundas, com várias sessões de mergulhos e banhos, nos seus pontos mais atractivos.
Na segunda visita (três, quatro anos depois...) as coisas tinham mudado...
Já não era possível passear livremente naquele espaço quase lunar. Havia várias áreas interditas, o passeio pelo interior da ilha fazia-se apenas pelos caminhos existentes, para não afectarmos o ecosistema local. Desta vez fiquei mais que um dia...
A estadia no parque de campismo fez com que pudesse assistir ao "canto nocturno" das gaivotas, idêntico ao choro de bebés, que como devem calcular, não é um grande embalo para o sono. Foi por isso que passámos parte da noite no pequeno areal da ilha, com a diversão nocturna possível, sem importunar os outros visitantes.
A fotografia que ilustra este texto mostra o Forte de S. João Baptista, erigido no final do século XVI, como fortificação militar. No começo da segunda metade do século XX o Ministério das Obras Públicas resolveu restaurar a fortaleza, depois de anos e anos de abandono, transformando-a numa luxuosa Pousada, que ainda hoje acolhe turistas de todos os cantos do mundo.

quinta-feira, setembro 07, 2006

Rafael & Zé Povinho


A passagem de Rafael Bordalo Pinheiro pelas Caldas da Rainha, quase no final do século XIX, acabou por ter uma importância fulcral no desenvolvimento artístico da arte de trabalhar o barro na cidade.
Os seus múltiplos projectos artísticos deram luz à publicação de inúmeros jornais satíricos (desde o "Calcanhar de Aquiles", em 1870, à "Paródia", em 1900, publicou e colaborou em mais de uma dezena de publicações), mas também fizeram com que vivesse em permanentes embaraços financeiros.
Foi num desses momentos difíceis, em 1884, que Rafael decidiu partir para uma nova aventura estabelecendo-se na Cidade das Termas, com seu irmão Feliciano, criando uma Fábrica de Faianças.
Com o seu espírito inventivo desenvolveu um trabalho notável na fábrica, que funcionou como um dos primeiros centros de produção cerâmica modernos. Algumas das suas criações são autênticas obras de arte e estão expostas em inúmeros museus.
Claro que a sua costela satírica fez com que também desenvolvesse a famosa "loiça malandra", que ainda hoje é reconhecida e apreciada, um pouco por todo o lado...
Uma das figuras que rapidamente passou do papel para o barro foi o "Zé Povinho", talvez a sua criação artística mais feliz - popular é de certeza... -, que apareceu pela primeira vez nas páginas da "Lanterna Mágica", em 1875. Esta figura de barbas, chapéu, rosto rosado, calças remendadas e botas gastas, apareceu com o célebre manguito, nas peças em cerâmica, num claro "Ora Toma!", dirigido à monarquia decadente, não fosse Rafael um republicano convicto.
Esta figura de papel, que ainda hoje é usada para caracterizar o povo português, ao tornar-se tridimensional, tornou-se ainda mais popular e surgiu das formas mais alegres e jocosas, que se podiam criar na época.
É graças ao seu talento e à obra que nos deixou, que Rafael Bordalo Pinheiro permanece bem vivo entre nós, sendo uma figura incontornável da Arte do Oeste.